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Suspensão da sobrevigência das convenções coletivas de trabalho

in Legislação
Création : 10 mars 2021
  1. Publicação e entrada em vigor

Foi publicada a Lei n.º 11/2021, de 9-3. Entra em vigor em 10-3-2021. Procede à suspensão excecional de prazos associados à sobrevigência e caducidade de convenções coletivas de trabalho

 

  1. Apreciação do regime vigente

Os efeitos de uma convenção coletiva de trabalho (cct) produzem-se durante um certo período de tempo, designado “prazo de vigência”. Este ou é fixado por estipulação das partes na cct ou, na ausência de estipulação, é legalmente de um ano (art. 499º do Código do Trabalho – CT).

“Sobrevigência” é a denominação que vem sendo adotada para designar a ultraatividade de uma cct, ou seja, uma cct que continua a vigorar para além do seu prazo de vigência estipulado ou resultante da lei.

 

Até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, as convenções coletivas que atingissem o termo do seu prazo de vigência mantinham-se em vigor até serem substituídas por outro instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (irct). Isto permitia uma sobrevigência sem limite temporal, o que, em nosso entender e no de vários tratadistas, negava às partes o poder de iniciativa negocial, porquanto lhes subtraía a possibilidade de impelirem a negociação sem a amarra de uma “vigência eterna” de convenções claramente datadas e ultrapassadas.

 

Com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009 (CT), foi mitigada a possibilidade de eternização das convenções coletivas. O art. 10º do Decreto Preambular ao CT estabeleceu mesmo que ficariam sem efeito as cláusulas das convenções coletivas anteriores que consagrassem regra de subsistência dessas cct até à sua substituição por nova convenção. Desde então, e até hoje, as cct vigoram pelo prazo nelas convencionado (ou, na falta de convenção, por um ano) (art. 499º CT); findo esse prazo, renovam-se por períodos sucessivos, exceto se forem revogadas por acordo das partes ou denunciadas por um dos outorgantes (art. 500º CT). Esta é chamada regra da sobrevigência limitada.

 

A solução legal da dita, algo impropriamente, “sobrevigência limitada”, nos termos que enunciámos e que a lei consagra, foi objeto de intenso escrutínio pelo Tribunal Constitucional, em 2003 e em 2010, sempre resultando no reconhecimento da sua conformidade constitucional.

 

Se uma convenção coletiva impuser, no seu articulado, a sobrevigência eterna, com indefinidas renovações da sua eficácia até à substituição por novo irct, a lei determina que caduca decorridos três anos sobre, nomeadamente, a sua denúncia por uma das partes outorgantes (art. 501º/1-b) CT).

Se uma convenção coletiva for unilateralmente denunciada, ela “(sobre) vigora” pelo período em que decorra a negociação de novo articulado, período este que não pode prolongar-se por mais de 18 meses, e por mais 45 dias após qualquer das partes comunicar ao Ministério do Trabalho e à outra parte que a negociação terminou (art. 501º/ 2, /3, /4, /5 e /6 CT, na sua redação de 2019). Só depois de tudo isto a cct caduca.

 

Como uma conta simples permite determinar, a cct denunciada (sobre) vigora ainda por, pelo menos, mais 4 anos, 6 meses e 45 dias. Estamos a faltar de cct que, em muitos casos, vigoravam já havia dezenas de anos, fruto das regras acima descritas, anteriores ao CT, consagrando regimes que tinham resultado de conjunturas que as gerações atuais de trabalhadores a quem se aplicam nunca sequer conheceram.

 

A nova lei

Não obstante a situação anterior à pandemia COVID-19 registar uma grande dinamização da contratação coletiva de trabalho – fruto, precisamente, do regime de sobrevigência limitada acima descrito, que evidentemente impulsionou a negociação sob pena de vazio convencional coletivo –, a Lei 11/2021, agora publicada, vem apresentar uma solução diferente. Esta assenta no pressuposto de que a atual conjuntura de pandemia de COVID-19 é propícia à menor propensão para a negociação e para a sua renovação convencional coletiva, podendo também conduzir a um aumento das situações de denúncia unilateral das convenções coletivas e, consequentemente à verificação de lacunas decorrentes da caducidade desses instrumentos. Em consequência, institui-se a suspensão, durante 24 meses, dos prazos de sobrevigência das cct constantes do art. 501º CT, nomeadamente a que resulte de denúncia de convenção coletiva. Esta solução não parece aconselhável nem se afigura bem fundamentada.

 

Na verdade, ou bem que a negociação coletiva se provou dinamizada nos últimos anos, ou bem que estagnou em consequência da pandemia. Ou bem que as partes têm optado por suspender as negociações coletivas – dada a impraticabilidade das mesmas na atual conjuntura –, ou bem que multiplicaram as denúncias unilaterais.

 

Por outro lado, que soluciona suspender os prazos, em princípio dedicados à negociação, por dois anos? Porquê dois anos? É o prazo que o Governo estima que vai durar este surto de doença pandémica?

 

Recorre-se, mais uma vez, a um argumento estafado e inverdadeiro: que a caducidade de cct denunciadas gera o vazio e “lacunas”. Não é assim.

 

Mesmo o art. 501º CT consagra:

  1. a) «Após a caducidade e até à entrada em vigor de outra convenção ou decisão arbitral, mantêm-se os efeitos acordados pelas partes ou, na sua falta, os já produzidos pela convenção nos contratos de trabalho no que respeita à retribuição do trabalhador,

categoria e respetiva definição, duração do tempo de trabalho e regimes de proteção social cujos benefícios sejam substitutivos dos assegurados pelo regime geral de segurança social ou com protocolo de substituição do Serviço Nacional de Saúde, de

parentalidade e de segurança e saúde no trabalho.» (n.º 8);

  1. b) «Além dos efeitos referidos no número anterior, o trabalhador beneficia dos demais direitos e garantias decorrentes da legislação do trabalho.» (n.º 9).

 

Onde está, pois, o vazio, a lacuna? O que demonstra que tenha acontecido, nos 12 meses que leva a atual conjuntura de doença, um incremento da denúncia de cct? Quais são os números e os factos que o comprovam? A nova lei tem como pressuposto factos não

demonstrados pela realidade.

 

A nova lei estabelece também:

  1. a) a suspensão dos prazos de caducidade das convenções coletivas de trabalho decorrentes da denúncia destas realizada após a entrada em vigor da nova lei;
  1. b) a suspensão dos prazos de caducidade das convenções coletivas de trabalho que corram já em virtude de denúncia anterior à entrada em vigor da nova lei.

 

Suspender prazos que decorram já em virtude de denúncia anterior à entrada em vigor da lei que agora se publica é lesivo de expectativas jurídicas legitimamente constituídas e atentatório da certeza e segurança jurídicas mínimas que o ordenamento jurídico deve

proporcionar num Estado de Direito. Significa, na prática e para todos os efeitos, proceder de forma não assumida a uma revisão do Código do Trabalho.

 

A solução agora consagrada na lei afigura-se, pois, sem fundamento, sem razoabilidade e sem adequação ou proporcionalidade à realidade vivida. Ademais, a sua constitucionalidade é discutível, porquanto um adiamento legal de prazos de caducidade (é disso que se trata) atenta contra a autonomia, liberdade e reserva da contratação coletiva do trabalho pelos seus únicos agentes constitucionalmente admitidos, as partes outorgantes.

Fonte: CCP